quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Operação Lava Jato: a maior farsa da história do Brasil

Escrevo essas linhas no momento em que o Brasil assiste, perplexo, anestesiado até, ao julgamento final do ex-presidente Lula. Uma verdadeira farsa e um capítulo quase final de um golpe de Estado armado por grupos estrangeiros e seus associados locais.

Durante três anos, a Globo e a Lava Jato conseguiram causar um estrago maior até do que se o Brasil tivesse sido vítima de ataques de mísseis do imperialismo. Nesse processo carregado de ódio e escorado numa campanha cínica e falso moralista de combate à corrupção, o Brasil assistiu praticamente sem reação aos seguintes acontecimentos nocivos ao nosso povo:

1) derrubada de uma presidenta honesta, eleita diretamente pelo povo brasileiro, demonstrando que a democracia brasileira foi destroçada em prol de interesses de minorias corruptas e canalhas;

2) no lugar da presidenta Dilma, mulher, valente e digna, colocaram no governo federal, sem o respaldo popular, uma quadrilha, homens brancos, de colarinho branco, dos piores bandidos que passaram a colocar em prática a agenda neoliberal, muito provavelmente com a promessa de serem poupados pela Lava Jato e com a garantia da governabilidade que não deram ao segundo governo Dilma;

3) dessa agenda neoliberal executada por um governo farsante e parlamentares pilantras resultou: a) a destruição da legislação trabalhista, com o cancelamento de conquistas de mais de um século de lutas; b) o ataque aos investimos na Saúde Pública e na Educação pública, com o limite de gastos nas políticas públicas; c) violento ataque aos aposentados e à previdência, com a tentativa de impedir com as pessoas se aposentem e invistam em previdência privada para poucos; d) cortes ou redução de dezenas de políticas públicas, como nos programas Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, Fies, Prouni, Ciências sem Fronteira, entre outros;

4) a Lava jato e a Globo, com sua campanha criminosa contra a Petrobras e setores estratégicos da economia brasileira, conseguiram ainda fazer com que especuladores estrangeiros arrancassem da Petrobras indenização de R$ 10 bilhões de reais, sendo que TODA a operação Lava Jato não chegou a devolver a Petrobras sequer R$ 1,5 bilhão do resultado do combate seletivo à corrupção apurada nos 12 anos de governos do PT. Sim, porque a Lava Jato só apurou a corrupção na Petrobras a partir dos governos do PT, e simplesmente afastou das investigações as inúmeras denúncias contra os governos anteriores, inclusive nas gestões de FHC. O que muita gente não percebeu é que a corrupção numa grande estatal é elemento comum em todos os governos, mas foi nos governos de Lula e Dilma que a Petrobras teve o seu melhor desempenho, seu maior crescimento, inclusive com a descoberta do pré-sal e investimentos em tecnologia de ponta.

5) além desse enorme prejuízo dado diretamente à Petrobras - devolveu teoricamente R$ 1, 5 bilhão e causou uma indenização / prejuízo direto de R$ 10 bilhões - , a Lava Jato, a Globo e afins conseguiram, com a derrubada do governo Dilma, abrir caminho para que os quadrilheiros do governo golpista entregassem o petróleo do pré-sal para empresas estrangeiras, afastando do controle da Petrobras e do povo brasileiro esse patrimônio nacional que foi a descoberta de enorme reserva de petróleo do pré-sal;

6) não bastasse essa perda internacional em prejuízo de uma política que deveria estar voltada para a Educação pública de qualidade e saúde pública para todos, as ações da Lava Jato amparadas pelo sistema de comunicação / manipulação da Globo e afins - Band, Itatiaia, Folha de SP, Veja, etc. - conseguiram ainda destruir a indústria naval, que havia sido salva e revitalizada nos governos do PT, a indústria da construção civil, em franco crescimento nas gestões de Lula e Dilma, e até mesmo da segurança estratégica, com a paralisação de investimentos em refinaria própria e na tecnologia nuclear.

O Brasil tornou-se uma republiqueta de nona categoria. O aumento do desemprego foi uma das consequências diretas do desinvestimento, dos cortes em todas as áreas e da destruição dos setores estratégicos da economia, que puxavam os outros setores.

Tudo isso foi consequência desse pacote fechado pelo golpe que teve como atores ou executores principais a Globo e Operação Lava Jato. Tal o alcance dessa operação, orquestrada e blindada pela mídia e pelos órgãos de justiça e do MPF e da PF, que sobram desconfianças acerca das perigosas ligações dos seus membros, alguns pelo menos, com os aparelhos de inteligência dos EUA.

Tem sido notória, de amplo conhecimento público, a intervenção direta dos EUA e países aliados através da CIA, NSA e outros aparelhos do sistema de inteligência e espionagem e sabotagem, que agem em vários países do mundo, com o intuito de derrubar governos "não amigos" do império, propiciando o controle das riquezas desses países. O Oriente Médio foi devastado por essas práticas. O continente africano já havia sido destruído bem antes pelas disputas imperialistas. A América Latina foi vítima de golpes de estado inicialmente nos moldes tradicionais, com as quarteladas militares que garantiam a propriedade e os lucros de poucos, garantidos com a repressão e a tortura no lombo da maioria pobre da população.

No Brasil conseguiram sofisticar o golpe de Estado, dessa vez não mais pelas mãos de grupos militares afastados oficialmente da vida política após o desgaste do Golpe de 1964, que derrubou, com apoio das mesmas forças que agora derrubaram Dilma, ao presidente João Goulart. O golpe de 2016 foi orquestrado de fora, como antes, mas lançaram mão de grupos do judiciário, da polícia federal e do Ministério Público. Ou seja, apropriaram de setores estratégicos desses aparelhos institucionais, para dar uma roupagem "legal" ao golpe. E montaram uma verdadeira máquina golpista, com todos os instrumentos institucionais envolvidos.

Em primeiro lugar era preciso garantir que a população pobre e a classe média fossem lobotomizadas, anestesiadas, e sobretudo, caso de parte da classe média, conquistada para o golpe. Essa horda neofascista que hoje aparece nas rede sociais nasceu desse processo de lavagem cerebral feita por uma mídia irresponsável e canalha, que durante 24 horas por dia e por meses a fio trabalhou narrativas golpistas. 

Os pontos centrais dessa narrativa fascista e ultraconservadora: a) a frase oca de que "bandido bom é bandido morto", quando se sabe que os "bandidos" que eles combatem são os pobres negros das periferias do Brasil. Aqui em Minas mesmo, os deputados eleitos com esse discurso se aliaram no congresso nacional aos maiores bandidos de colarinho branco, inclusive ao chefe deles, Eduardo Cunha, que hoje é protegido do juiz Moro e da mídia; b) outra narrativa construída: a de que o PT e Dilma e Lula eram responsáveis por todas as desgraças do mundo. O ataque ao segundo governo Dilma foi uma coisa impressionante. Qualquer lojista assalariado era induzido a dizer que "a culpa da crise é da Dilma", numa campanha claramente orquestrada por setores privilegiados. Quando a quadrilha de bandidos assumiu o governo com o golpe de 2016, cessaram as manifestações na Paulista, bem como a bateção de panelas nos condomínios fechados e prédios da classe média massa de manobras dos 2% mais ricos do país.

Depois que Temer e sua quadrilha chegaram ao governo via golpe de estado judicial-parlamentar-policial, as operações midiáticas fantasiosas da Lava Jato praticamente cessaram. A Lava Jato já havia cumprido quase todas as missões propostas: destruir os setores estratégicos do país, chantagear os parlamentares corruptos para que derrubassem a presidenta Dilma e aprovassem o programa neoliberal de entrega de tudo para os banqueiros e agiotas e grupos estrangeiros;  condenar e prender somente pessoas que pudessem atingir de alguma forma ao PT e a Lula; blindar totalmente o PSDB - em três anos de ação com total liberdade de espezinhar a constituição e a garantia de blindagem da mídia e de um STF acovardado, a Lava Jato não condenou nem prendeu um único cacique tucano. Enquanto isso, condenou e prendeu somente o tesoureiro do PT, condenou e prendeu somente o marqueteiro do PT, condenou e prendeu as lideranças do PT, como José Dirceu, que já havia sido vítima da farsa do Mensalão.

Faltava, contudo, o ato final, que é justamente o que acontece agora, com a condenação do ex-presidente. Com a clara manifestação da população brasileira em querer eleger novamente o presidente Lula, não seria tolerável para os golpistas que Lula pudesse se candidatar. Uma forte corrente poderia se formar em torno da maior liderança operária e popular do Brasil e da América Latina e com isso todos os atos do golpe estariam ameaçados. Daí montaram todo um esquema voltado para denunciar, condenar e prender o presidente Lula.

O objetivo principal nem é prisão física de Lula, mas a tentativa de desmoralizá-lo perante a opinião pública. Tal objetivo tem sido em parte derrotado como demonstra a lenta mas progressiva capacidade de resistência e de retomada das lutas do nosso povo. Nas redes sociais, em que pese a presença de fascistas que querem a volta da ditadura militar e tratam o agente da CIA Moro como herói nacional, é crescente o combate de pessoas e grupos de esquerda ou progressistas ou mesmo nacionalistas, que não aceitam mais esse engodo montado pela Globo e pela Lava Jato.

Nesse momento ninguém está seguro em relação aos destinos do Brasil, do nosso povo, uma vez que a guerra de classes está esquentando cada vez mais. A derrota no judiciário no circo montado em Porto Alegre praticamente foi uma "vitória de Pirro" da direita golpista. Isto porque as manifestações populares em favor da democracia e do presidente Lula conseguiram sensibilizar amplos setores da população e também de grupos progressistas do mundo inteiro. A justiça é cada vez mais identificada como parte do golpe. E há uma forte percepção de que é preciso construir uma unidade popular e progressista para derrotar os golpistas. 

E para que isso aconteça é preciso ficar bem claro para todos o verdadeiro sentido dessa farsa - a maior da história do Brasil - montada pela Globo e pela chamada Operação Lava Jato. É preciso discutir pacientemente com todos os grupos e pessoas da sociedade brasileira, sobretudo com a população de baixa renda e da classe média que não estejam irremediavelmente lobotomizados. Refletir sobre as consequências danosas para o Brasil e para o nosso povo dessa campanha falso moralista de combate seletivo à corrupção, historicamente usado pelos grupos de direita que são os mais corruptos e golpistas. Ninguém nunca investigou, por exemplo a origem e o processo de acúmulo de muitos bilhões de dólares da família Marinho, que praticamente teve papel central nos golpes contra o nosso povo nas últimas três ou quatro décadas, pelo menos. Ajudaram a bombardear moralmente Getúlio, JK, Jango, Brizola, Dilma e Lula, ou seja, todos os presidentes (Brizola não foi presidente, mas pode ser colocado nesse mesmo grupo) mais queridos e populares da história recente do Brasil, os que mais desenvolveram políticas públicas em favor dos de baixo. A Globo é inimiga do povo brasileiro e consegue arrastar para sua política de classe toda a grande mídia. Cerca de 8 ou 10 famílias de barões da mídia, que controlam o que deve ou não ser publicado, o que deve ser escondido do nosso povo e o que deve ser informado, de forma manipulatória.

Uma nota final, mas não menos importante, acerca das consequências da Lava Jato: a destruição das garantias constitucionais. Qualquer cidadão está hoje ameaçado de ter seus telefones grampeados, de ser arrastado numa busca coercitiva ilegal, de ficar preso eternamente numa chamada prisão preventiva, ou de ser vítima de uma delação premiada, outro nome para dedo-duro, que faz com que os verdadeiros canalhas entreguem sem prova alguma aqueles que o braço partidário do estado pretende condenar.

Imaginem a mesma técnica sendo usada contra os agentes da Lava Jato e contra a Globo? Um presidente com o apoio popular monta uma força-tarefa com poderes especiais que começa a prender pessoas próximas do juiz Moro (Zucolato, por exemplo), e da família Marinho (os cartolas FIFA, por exemplo), que, presos e com seus familiares ameaçados, começam a entregar os amigos, a dizer que Moro recebeu boladas de dinheiro para fazer o que está fazendo, que a família Marinho recebeu a promessa de não precisar mais pagar as dívidas com o BNDES, etc. Provas? Para quê provas, se houve essas delações premiadas? Não bastam as convicções da força-tarefa? Que tal então confiscar todos os bens dos Marinho e da família Moro? Pois é... Pau que dá em Chico, dizem, pode dar também em Francisco.

Daqui de casa, ou do meu modesto bunker, assisto às manifestações em Porto Alegre, em SP, na Paulista, agora coberta de vermelho e não mais daquele verde-amarelo que nada tem de nacionalista. Pode ser o renascer de um novo momento, um novo movimento de lutas, popular e de massas, nas ruas, de resistência e de construção de um presente e de um futuro que a Lava Jato e a Globo haviam roubado dos nossos sonhos. É hora de unir, de lutar, de resistir! E de conversar com as pessoas em todos os cantos do Brasil e do mundo. Porque somos a maioria e estamos ameaçados pelos interesses de uma minoria golpista que deseja transformar o Brasil novamente numa colônia, com mão de obra escrava e tudo mais. Se permitirmos é isso que farão.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Natal: em noite escura, seguir por outro caminho.
Por frei Gilvander Moreira[1]

Imersos em uma noite muito escura do capitalismo e dos golpistas – Brasil sob seu 7º golpe, consumado dia 31 de agosto de 2016, golpe parlamentar, jurídico e midiático -, eis, nós, novamente, em tempo de Natal e de virada de ano. Necessário se faz resgatar o sentido bíblico do Natal. Na Bíblia, no Evangelho de Mateus, em Mt 2,1-12, está a narrativa da visita de magos a Jesus, logo após seu nascimento, passagem exclusiva das comunidades de Mateus. Para Mateus foram os magos – sacerdotes de culto da natureza - os que, por primeiro, reconheceram a encarnação do divino no humano. O Evangelho de Lucas, em vez de falar de magos, fala de pastores (Lc 2,1-20) como os primeiros que reconheceram e acolheram Jesus de Nazaré, logo após seu nascimento. Óbvio que os Evangelhos de Mateus e Lucas não são crônicas jornalísticas escritas sob o calor dos fatos. Escritos na década de 80 do século I da era cristã, os Evangelhos de Mateus e Lucas são Teologia da História a partir dos oprimidos e injustiçados e da sua fé na ressurreição de Jesus Cristo.
Quem são esses magos? O texto só diz que eles vêm do Oriente, de onde o dia nasce e a vida recomeça. Os magos são pessoas sábias, porque viram a estrela que indicava o nascimento do “rei dos judeus”. Os magos têm intenções contrárias às de Herodes, rei opressor e sanguinário, que “ficou alarmado e junto com ele toda a cidade de Jerusalém” (Mt 2,3). Mesmo consultando as Escrituras, Herodes, os sumos sacerdotes e os escribas não se dispõem a reconhecer o divino no humano que acaba de nascer. Acontece, então, uma oposição muito significativa: aqueles que detêm o poder político e econômico, o conhecimento acadêmico e o poder da religião oficial ignoram Jesus, enquanto pessoas de outras culturas e práticas, que inclusive seriam condenadas pela lei judaica, como a consulta aos astros, reconhecem o nascimento e vêm ao encontro daquele que iria testemunhar um caminho de libertação para todos e tudo: “vida e liberdade para todos e tudo” (Jo 10,10).
Os magos identificam a estrela que indica Deus se humanizando em/a partir de Jesus. É interessante que depois que os magos saem de Jerusalém, a estrela reaparece e os conduz até o lugar onde estava o menino. Curioso é que a estrela desaparece quando os magos chegam a Jerusalém, a capital, o centro político, econômico e religioso! Mas não adianta buscar esta estrela no céu. O texto faz uma ligação entre as atividades dos magos e a estrela que, segundo a tradição judaica, deveria indicar o surgimento do Messias. Assim, se lia naquela época o texto de Números 24,17: “um astro se levantará de Jacó e um homem surgirá de Israel”. E ainda o texto de Isaías 9,1: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria.” Depois de reconhecerem o divino naquele menino nascendo sem-terra e sem-teto e de lhe oferecerem presentes, os magos retornam “por outro caminho” a sua terra (Mt 2,12). Diz o texto que eles foram avisados “em sonho” para que não voltassem a falar com Herodes. A missão de Jesus é testemunhar um caminho de libertação para todos, inclusive os pagãos, representados pelos magos.
O evangelho de Mt 2,1-12 se constitui de duas partes: Mt 2,1-5 e Mt 2,7-12. O versículo 6 é o elo de ligação: “É de ti Belém, a menor entre todas as cidades, que virá o Salvador”. Em Mt 2,1-12 temos várias oposições/contradições: Herodes contra Jesus, Jerusalém contra Belém. Para os magos, estrangeiros do Oriente, Jesus é “rei dos judeus” (Mt 2,2). Os magos reconhecem o poder popular nascido na periferia de Belém. Etimologicamente Betlehem, em hebraico, significa Casa do Pão. Jesus se tornou o Pão da vida (Cf. João 6,22-59). Belém é a cidade do pastor Davi, o menor entre os irmãos, aquele que organizou os injustiçados da sociedade para lutar por um governo justo. O verdadeiro “rei dos judeus” não é violento e sanguinário como Herodes, é um recém-nascido, nascido sem-terra e sem-casa e tendo que se exilar às pressas para não ser assassinado pelo poder repressor de plantão. Segundo o Evangelho de João, o nascido na “Casa do Pão” se tornou Pão da Vida para todos. Os magos intuem com sabedoria que o poder alternativo, democrático, participativo e popular vem da periferia, dos injustiçados, dos pequenos. A estrela que guia os magos representa as intuições mais puras e os anseios mais profundos da humanidade sedenta de justiça, paz e fraternidade.
Os magos veem o “menino com Maria, sua mãe” (Mt 2,11). O gesto de reconhecimento é acompanhado da oferta do que há de melhor em seus países: ouro, incenso e mirra. Para as pessoas cristãs da época da Patrística – primeiros séculos da era cristã -, os presentes oferecidos simbolizam a realeza (ouro), a divindade (incenso) e a paixão de Jesus (mirra). Primeira atitude dos magos foi doar-se a serviço daquele que testemunharia um caminho libertador (=prostram-se) e, em seguida, põem à disposição de Jesus o melhor do que eles possuem, seus dons (Mt 2,11).
Mais importante do que discutir se os magos eram astrólogos ou se eram astrônomos, é perceber que eram estrangeiros – “os de fora”, de outras práticas -, sábios, perspicazes e muito sensíveis para captar a divindade de Deus se revelando na humanidade frágil de um menino nascendo sem-terra, sem-teto e ameaçado de ser assassinado logo nos primeiros dias do seu nascimento. Herodes, rei sanguinário e opressor, tremendo de medo de perder o seu poder, tentou cooptar os magos secretamente, tentou obter informações que ajudassem a liquidar a vida frágil. Herodes mentiu, fez propaganda enganosa, para tentar descobrir onde estavam as forças de subversão ao seu poder tirânico. Por fim, impôs uma medida provisória, uma espécie de Ato Institucional, mandando matar a crianças com menos de dois anos do país, enquanto, decretado pelo imperador Augusto, se realizava um novo recenseamento (Lc 2,1-2) para explorar mais ainda o povo já esfolado com pesada carga tributária. Mas as forças de vida – o divino no humano – foram mais espertas, fazendo os magos voltarem “por outro caminho” e assim driblarem a armadilha de Herodes. Os magos voltam por outro caminho, com sabedoria. Atualizando uma profecia, isto é, fazendo midrash, Mt 2,12 recorda o profeta anônimo de 1Rs 13,9-10: “Porque assim me ordenou o Senhor pela sua palavra, dizendo: Não comerás pão, nem beberás água e não voltarás pelo caminho por onde foste. E foi-se por outro caminho e não voltou pelo caminho por onde viera a Betel”.
Os magos romperam de uma vez por todas com Herodes, rei opressor, e com Jerusalém, cidade tratada como se fosse uma empresa. O sonho dos magos é a inspiração de que do poder opressor só nascem espinhos para a sociedade. Os magos souberam mudar suas perspectivas e sonhar um mundo novo que só pode nascer a partir do poder popular dos injustiçados que, ao se unir e se organizar, lutam pelos seus direitos. Experimentaram que um mundo justo é necessário e possível de ser construído, não a partir de democracia formal burguesa, de eleições, mas acima de tudo, a partir das classes trabalhadora e camponesa que, injustiçadas, podem e devem se rebelar em comunhão na luta por direitos fundamentais.
A festa da Epifania, dia 06 de janeiro, dia dos Santos Reis, nos ensina a olharmos o mundo atentamente, com benevolência, a sentir com o coração aberto e, com mãos solidárias, percebermos que Deus está fazendo brilhar sua beleza no meio dos pobres e dos superexplorados. Aliás, o que acontece não é propriamente uma Epifania (em grego, epifania significa manifestação de Deus sobre), mas uma Diafania (em grego, diafania significa o brilho de Deus que perpassa e permeia tudo, de dentro pra fora e de baixo pra cima).
Em uma perspectiva feminista, devemos perguntar: Já imaginou se os Magos fossem mulheres magas? O que teria acontecido? Elas não teriam pedido informações a Herodes, mas às crianças, prediletas de Jesus. Teriam chegado a tempo. Ajudariam no parto, cuidariam do menino, limpariam o estábulo, fariam o jantar. Além disso, teriam trazido presentes práticos e o mundo viveria em paz.
Mas ainda está em tempo de construirmos um mundo de justiça e paz para todos e tudo. Que nesse Natal de 2017 e na virada do ano, possamos revigorar em nós o desejo e o compromisso de viver e conviver de um jeito parecido com os magos do Oriente ou como os pastores de Belém (Lc 2,1-20). Que não sejamos cúmplices dos Herodes de plantão! Que sejamos corajosos/as e sigamos por outro caminho, transformador, libertador, em direção às causas dos pobres e oprimidos! Que tenhamos o discernimento necessário para romper com as estruturas do sistema político-sócio-econômico vigente – capitalismo superexplorador -, que manipula e engana o povo, alardeando uma pseudo democracia e fortalecendo as injustiças e a desigualdade social.  Sejamos como os magos e os pastores, despertadores de rebeliões coletivas, populares e massivas, contra todas as opressões que os ultracapitalistas insistem em empurrar goela abaixo do povo oprimido. Sigamos o caminho oposto ao dos “Herodes” de hoje, para que entre nós se construa com o protagonismo da classe trabalhadora e camponesa o “Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6,33).

Belo Horizonte, MG, Brasil, 26 de dezembro de 2017.

Vídeos para ilustrar o texto, acima:

Abraço terno na luta.
Frei Gilvander Luís Moreira
face: Gilvander Moreira III

Redução do salário mínimo, golpe em 100 milhões de pobres e idosos

Redução do salário mínimo, golpe em 100 milhões de pobres e idosos
Por frei Gilvander Moreira[1]

Dia 29 de dezembro de 2017, o presidente ilegítimo e golpista Temer, por decreto, reduziu o já injusto valor real do salário mínimo ao cortar 25,00 (vinte e cinco reais) de cada trabalhador/a, desempregado/a com direito a seguro desemprego ou aposentado/a. Em 2018, o salário mínimo será de apenas R$954,00 (Novecentos e cinquenta e quatro reais), aumentando formalmente apenas 1,81%, quase só a metade da inflação. Esse é o menor aumento nominal em 24 anos, desde 1994. Na realidade, é a maior redução do salário mínimo em 24 anos.
O que significa isso? Segundo o IBGE, em notícia de 29 de novembro de 2017, no Brasil, 44,5 milhões de trabalhadores/ras ganham menos de um salário mínimo. Pesquisa do IBGE mostra o retrato da desigualdade no país: os 10% mais ricos ficam com 43% de todos os ganhos. Em 2016, 44,5 milhões de brasileiros receberam, em média, R$ 747 por mês, menos que o salário mínimo. Enquanto isso, as 889 mil pessoas mais bem remuneradas do país receberam, em média, R$ 27 mil por mês. Aliás, não esqueçamos: desigualdade e lógica escravocrata são as colunas mestras da sociedade brasileira há 517 anos. Mudam-se os rótulos, mas a desigualdade sempre é reproduzida e ultimamente com maiores requintes de crueldade.
Façamos a conta. 44.500.000 X 25,00 = 1.112.500.000,00 (Hum bilhão, cento e doze milhões e quinhentos mil reais). Apenas dos 44,5 milhões de brasileiros que recebem no máximo salário mínimo, foi retirado 1,1 bilhão de reais por mês. Acresce-se a esse valor 66% dos aposentados que recebem salário mínimo e, também, os beneficiários de RMV (Renda Mensal Vitalícia), de seguro-desemprego e de abono salarial. Isso tudo somado resulta em 3,3 bilhões de reais que o Governo Federal deixará de repassar mensalmente para os mais pobres e idosos do nosso país em 2018. Ao longo dos 12 meses de 2018 serão 39,6 bilhões de reais retirados dos mais pobres e idosos.
Para cada pessoa R$25,00 a menos no salário mínimo por mês significam R$300,00 em 1 ano e R$3.000,00 em 10 anos. Para milhões de idosos que sobrevivem com apenas um salário mínimo, a quantia diminuída poderá se tornar endividamento, adoecimento e morte. Se fosse concedido os R$25,00 (vinte e cinco reais) de aumento no salário mínimo para 2018, aliviaria a cruz de milhões de famílias que sobrevivem com o salário mínimo. Cortar salário mínimo significa aumentar o peso da cruz nas costas de milhões de famílias empobrecidas.
O que foi cortado do salário mínimo daria para fazer o quê? Eis um exemplo: investindo R$28.000,00 na construção de cada casa, os 3,3 bilhões de reais dariam para construir mensalmente 120 mil casas rurais, que abrigariam 120.000 famílias, cerca de 500 mil pessoas. Eis o tamanho do roubo que o governo golpista de Temer está impondo ao povo brasileiro ao reduzir o valor real do salário mínimo. O que mais daria para fazer? ...
 Logo, cerca de 100 milhões de pessoas que dependem do salário mínimo próprio ou de seu arrimo de família devem pensar: o governo federal ilegítimo nos roubou 39,6 bilhões de reais no salário mínimo em 2018 e não apenas “me roubou 25,00”. Esse roubo se torna ainda mais cruel ao lembrarmos que enquanto o salário mínimo tem aumento nominal de 1,8%, o gás de cozinha teve aumento de 70% ao longo desse ano e a conta da energia foi reajustada em 42,5%.  Com esse quadro, já podemos perceber porque o Brasil pode voltar ao mapa da fome da ONU, como resultado desastroso da política econômica capitalista neoliberal que fomenta o lucro e privilegia os ricos. Precisamos ter consciência de classe e organizar rebeliões contra o corte permanente e cada vez mais agressivo de direitos.
O governo Temer retirou 39,6 bilhões de reais dos mais pobres e idosos para repassar para quem? Para o capital: banqueiros e empresas do agronegócio; ou para investir no aparato repressor do Estado. Ou seja, retirou de quem muito precisa – pobres e idosos - para dar para quem não precisa – os muito ricos: quem já vem acumulando muito no sistema do capital. Assim, o governo federal golpista continua fazendo opção pelos ricos contra os pobres. Eis mais uma injustiça que clama aos céus! Possuído pela ira divina, o profeta Zacarias bradou: “Não oprimam a viúva e o órfão, o estrangeiro e o pobre (Zacarias 7,10). O profeta Isaías também, de dedo em riste na cara dos governantes opressores, denuncia: “Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres do meu povo, para fazer das viúvas a sua presa e despojar os órfãos” (Isaías 10,1-2).  Quem oprime o pobre está atraindo para si a ira da justiça divina.
Reduzir o salário mínimo é violência cruel. Não podemos esquecer que a maioria dos que recebem salário mínimo, como trabalhadores/ras assalariados/as ou já aposentados/as – é arrimo de família na maioria das vezes. Nas periferias das cidades e nas ocupações urbanas e camponesas, a regra é: idosos sustentando filhos e netos. E fazendo empréstimos bancários com desconto compulsório na aposentadoria, isso para construir casa nas ocupações, pagar tratamento de saúde, comprar alimento ou ...
As lutas das classes trabalhadora e camponesa inscreveram na Constituição Federal de 1988, no Art. 7º, o seguinte: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (... ) IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.
Óbvio que com o salário mínimo, reduzido no seu valor real, - que já era pequeno -, não será possível, em 2018, prover um/a trabalhador/a e sua família nos nove quesitos garantidos constitucionalmente: moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Segundo o DIEESE, o salário mínimo em novembro de 2017 deveria ser de R$ 3.731,39 (Três mil, setecentos e trinta e um reais e trinta e nove centavos). Reajustado abaixo da inflação, o novo salário mínimo é inconstitucional, além de injusto e ofensivo aos mais pobres do nosso país. A redução do valor real do salário mínimo viola também o Estatuto do Idoso, que no art. 34, parágrafo 1, acolheu o clamor do Movimento em Defesa dos Direitos dos Idosos: “Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, [...], é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas”.
Ao reduzir o valor real do salário mínimo, o governo federal está na prática iniciando o desmonte da previdência a partir dos mais oprimidos: milhões de brasileiros que ganham apenas um salário mínimo de aposentadoria. Com menor salário mínimo, o comércio local em todas as cidades brasileiras também será diminuído. Cadê o STF para zelar pela constitucionalidade do salário mínimo? Enfim, redução do valor real do salário mínimo faz parte da política de concentração de renda e riqueza na Casa Grande e busca empurrar a maioria do povo brasileiro para a senzala, em escravidão contemporânea.
Quem ganha salário mínimo, acorde antes que a corda arroche mais! Unamo-nos, classe trabalhadora e classe camponesa e vamos à luta. Trevas estão sendo disseminadas pelo capitalismo e pelos capitalistas, mas uma nova aurora está sendo gestada a partir dos injustiçados e dos movimentos populares. O sol da justiça e da paz brilhará na construção de uma sociedade justa e solidária, a partir dos injustiçados e oprimidos  lutando em comunhão por seus direitos.
Belo Horizonte, MG, 02/1/2018.
Obs.: O vídeo, abaixo, ilustra o texto, acima.

Abraço terno na luta.
Frei Gilvander Luís Moreira
face: Gilvander Moreira III

No Brasil, 310 milhões de hectares de terras devolutas para o agronegócio



No Brasil, 310 milhões de hectares de terras devolutas para o agronegócio
Frei Gilvander Moreira[1]

No Brasil, os que se dizem proprietários de terras mantêm, há séculos, o controle sobre as propriedades rurais e cobram valores injustos pelo uso da terra através de arrendamento, parceria, à meia, etc. “Relação de arrendamento: terra em troca de renda em trabalho (como é o caso do cambão no Nordeste), em espécie (como é o caso da parceria em todas as regiões do país) e em dinheiro (como é o caso particularmente do arrendamento de terras no sul e no sudeste)” (MARTINS, 1983, p. 36).
O art. 64 da Constituição Federal de 1891 transfere as terras devolutas para os Estados[2], exceto as estradas de ferro e as necessárias para a Segurança Nacional, praticamente o mesmo que estabelece o art. 20, II[3] e art. 26, IV[4]da Constituição Federal de 1988. Assim, “as terras devolutas são colocadas nas mãos das oligarquias regionais. Cada Estado desenvolverá sua política de concessão de terras, começando aí as transferências maciças de propriedades fundiárias para grandes fazendeiros e grandes empresas de colonização interessadas na especulação imobiliária” (MARTINS, 1983, p. 43).
Por meio do Censo Agropecuário de 2006, o IBGE detectou a presença de 310 milhões de hectares de terras devolutas no Brasil.[5] Entende-se por “terras devolutas aquelas que jamais tenham sido propriedade de alguém ou tenham tido uso público reconhecido, propriedade e uso pelo Estado” (MARÉS, 2003, p. 70), sendo, portanto, as terras legalmente não adquiridas. “Estas terras devolutas estão distribuídas por todo o país. A região Norte possui mais de 80 milhões de hectares de terras devolutas, das quais 40 milhões no estado do Amazonas e 31 milhões na Pará. A região Nordeste tem mais de 54 milhões de hectares de terras devolutas, sendo que a Bahia tem mais de 22 milhões de hectares e o Piauí mais de 9 milhões de hectares. A região Sudeste por sua vez, tem um total de mais de 16 milhões de hectares de terras devolutas e entre os estados com maior presença está Minas Gerais, com mais de 14 milhões de hectares. A região Sul tem, também, mais de 9 milhões de hectares de terras devolutas e o estado do Rio Grande do Sul tem mais de 6 milhões de hectares destas terras. A região Centro-Oeste concentra por sua vez, cerca de 12 milhões de hectares das terras devolutas e o estado de Mato Grosso sozinho tem mais de 9 milhões de hectares” (OLIVEIRA, 2010, p. 299).
Nas décadas de 1970 e 1980, em Minas Gerais, grandes extensões de terras devolutas[6] foram repassadas para grandes empresas em convênios firmados entre o Instituto de Terras do Governo de Minas Gerais (ITER) e aquelas empresas, que hoje as usam, quase exclusivamente, na monocultura de eucalipto. Muitos desses convênios estão vencidos.
Com uma população de 21.055.660 milhões de habitantes, em 2016, Minas Gerais, em 2015, tinha 30,9% do território mineiro usado para pecuária, com 23,9 milhões de cabeças de gado (Fonte: IBGE), sendo 11,5% do rebanho do País[7]. Minas Gerais, em 2006, tinha o segundo maior rebanho do Brasil com 19,9 milhões de cabeças (Fonte: Censo agropecuário 2006, p. 155). “Minas Gerais, em 2006, era maior produtor nacional de leite, com 27,9% da produção total, superior à soma da produção das Regiões Nordeste e Centro-Oeste” (Fonte: Censo agropecuário 2006, p. 158).
Atualmente, o capitalismo no campo possui novos contornos e para evitar a desapropriação de seus imóveis improdutivos, os grandes proprietários e empresas escondem-se sob a propaganda do agronegócio. Em Minas Gerais, o chamado agronegócio surge com a imposição de uma política agrícola que pregava a modernização da agricultura, modernização colonizadora e violentadora, para ser exato. O objetivo era permitir que grandes empresas estrangeiras introduzissem insumos químicos no mercado brasileiro, obtendo grandes lucros e tornando-nos dependentes de um ‘pacote’ tecnológico imposto. Assim, nasce a Japan International Cooperation Agency (JICA) com o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER) promovendo as atividades do complexo agroindustrial. O ecossistema dos cerrados foi substituído por extensas áreas de monoculturas do café, da cana-de-açúcar, da soja e dos maciços homogêneos do eucalipto.[8] Em 2006 já havia mais de 3 milhões de hectares de terra com monocultura de eucalipto; com soja, 22,2 milhões de hectares e outros 6,2 milhões de hectares com cana-de-açúcar; total: 31,4 milhões de hectares (= 314.000 Km2) com monoculturas de eucalipto, soja e cana-de-açúcar (NORONHA; ORTIZ; SCHLESINGER, 2006, p. 5).  Esse processo gerou exclusão social, destruição do meio ambiente e concentração de renda. “A expansão dos chamados complexos agroindustriais tem transformado o camponês em um trabalhador para o capital, sem torná-loum operário, o que amplia as interrogações sobre a natureza da sua vida política e econômica” (MOURA, 1988a, p. 8). A expansão desse modelo agrário/agrícola capitalista leva a que “mesmo com queda de preços dos alimentos, cresce a área plantada, aprofundando as contradições entre produção de alimentos e aumento da fome no mundo” (PORTO GONÇALVES, 2004, p. 217), aumentando a concentração fundiária. Grave também é que essa expansão do agronegócio ocorre no bioma dos cerrados, o que implica em devastação de ‘uma floresta invertida’. “Os Cerrados se caracterizam por ser “uma floresta invertida”, como insistia uma das maiores autoridades em conhecimento dos Cerrados, o agrônomo/geógrafo Carlos Eduardo Mazzetto Silva, pois para cada volume de biomassa sobre a superfície, os Cerrados têm até sete vezes mais biomassa abaixo do solo” (PORTO GONÇALVES, 2014, p. 92).
Esse dado multiplica por sete a gravidade da imensa devastação dos Cerrados que está em curso no Brasil, pois ao devastar os Cerrados da superfície do solo se devastam os sete Cerrados que estão no solo. Os cerrados compunham 36% do território brasileiro, mas a maior parte dos cerrados já foi devastada. Relatório de Monitoramento do Bioma Cerrado, de 2009, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), demonstra que os remanescentes de vegetação dos Cerrados passaram de 55,73% em 2002 para 51,54% em 2008 e que o desmatamento total no bioma dos Cerrados até 2008 representa 47,84% da área original (MMA, 2010). “Entre o período de 1985 e 1993 a perda da área do Cerrado foi, em média 1,5% ao ano. A essa taxa de conversão, seria esperado que o Cerrado venha a perder aproximadamente 3 milhões de hectares ao ano, se considerarmos a área original de 2,045 milhões de quilômetros quadrados. Entre o período de 1993 e 2002, a taxa média de desmatamento do Cerrado foi um pouco menor, com uma média de 0,67% ao ano. Com esse valor, a perda anual do Cerrado seria de 1,36 milhões de hectares ao ano, também se considerando uma área original de 2,045 milhões de quilômetros quadrados. Um cenário futuro para o Cerrado, considerando uma retirada anual de 2,215 milhões de hectares (assumindo uma taxa conservativa de 1,1% ao ano), considerando a existência de 34,22% de áreas nativas remanescentes (baseado na estimativa dada por Mantovani e Pereira [1998]) e considerando que as unidades de conservação (que representam 2,2% do Cerrado) e as terras indígenas (que representam 2,3% do Cerrado) serão mantidas no futuro, seria de se esperar que o Cerrado desaparecesse no ano de 2030” (MACHADO, et al., 2004, p. 6-7).

Belo Horizonte, MG, 09/01/2018.

Obs.: O vídeo, abaixo, ilustra o texto, acima.

Na Chapada do Apodi/RN, 800 famílias resistem a um mega projeto de agro-hidronegócio. 07/12/2012

Abraço terno na luta.
Frei Gilvander Luís Moreira
face: Gilvander Moreira III






[1] Padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália;; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. 
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[2] In verbis: Art. 64 - Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais.
[3] In verbis: Art. 20. São bens da União: [...] II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; [...]
[4] In verbis: Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: [...] IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.
[5] Terras que o IBGE denominou de “terras com outras ocupações”. Brasil: Área Total: 851.487.659 (100%); Área DEVOLUTA: 228.699.89 hectares (26,8%) (Fonte: INCRA 2014).

[6] Sobre “Que destino deve ter as terras devolutas?” sugerimos a leitura de PRESSBURGUER, Miguel. Terras devolutas. O que fazer com elas? Coleção socializando conhecimentos, n. 7. Rio de Janeiro: AJUP/FASE, 1990.
[7] Dados da Secretaria da Agricultura do Governo de Minas Gerais, disponível em http://www.agricultura.mg.gov.br/images/Arq_Relatorios/Pecuaria/2016/Dez/bovinocultura_leite_corte_dez_2016.pdf   , acesso em 18/12/2016 às 11h10.
[8] A Lei Federal nº 5106, de 02/9/1966, sancionada pelo general Castelo Branco, concedia incentivos fiscais a empresas e fazendeiros – abatimento de até 50% do Imposto de Renda para pessoas físicas e jurídicas - que  implementassem monocultura de eucalipto nos cerrados.