segunda-feira, 23 de abril de 2018

Com canalhas no comando do país, Brasil caminha para o fascismo. Num misto de ditadura de toga com repressão policial


Com canalhas no comando do país, Brasil caminha para o fascismo. Num misto de ditadura de toga com repressão policial.

A elite brasileira é colonialista. Branca, preconceituosa, golpista, mau caráter e canalha. Nunca conviveu com a democracia. Mesmo a democracia formal, que concede direitos e garantias apenas no papel, enquanto na prática assegura ao clube fechado de privilegiados todos os direitos e blindagens. Esta elite está, desde sempre, associada ao que há de pior no cenário internacional. Antes, como agora. Se depender dessa elite o Brasil será sempre uma colônia, com um povo escravizado e uma casta com privilégios os mais variados.

O cenário político atual é o retrato deste preâmbulo que descrevi. O maior líder popular do país está preso sem ter cometido crime algum, sem prova concreta alguma contra ele, num claro processo montado pela CIA e pelos representantes no Brasil do Departamento de Estado dos EUA, tendo como executores dessa montagem a Rede Globo e suas afiliadas informais regionais (Itatiaia, Band, e etc) e um judiciário autocrático, representado pelo juiz Moro e sua equipe de Dalagnois e policiais federais cooptados e treinados pelos EUA. Da primeira instância de Curitiba, que se tornou uma força tarefa comandada diretamente pelos EUA, passando pelo TRF4 - uma extensão dessa força-tarefa -, até a formação majoritária do STF, tudo foi feito para a execução da obra golpista. Obra esta que derrubou uma presidenta da República eleita por 54 milhões de brasileiros e brasileiras sem prova alguma contra ela, sem que ela tenha cometido crime algum, enquanto uma quadrilha inteira de canalhas, corruptos e ladrões foi colada no poder federal. Com a missão de aprovar o corte de direitos sociais, trabalhistas e políticos do nosso povo. Um golpe de Estado com aparência de legalidade, mas na essência, um golpe contra os interesses do nosso povo.

A ditadura de toga montada ardilosamente com este conjunto de equipamentos estatais e para-estatais reúne ainda um congresso nacional corrupto, pilantra e por isso mesmo facilmente chantageado pelo aparato judicial-repressivo: fazem o que eles mandam ou serão presos. Simples assim. Não derrubaram Dilma pelos seus defeitos – que aliás, foram muitos, infelizmente – mas pelas suas qualidades, pela sua honestidade, pelas suas ligações com a população mais pobre, ainda que, no segundo mandato, por total equívoco de avaliações políticas e maus conselheiros tenha cedido com excesso ao canto enganoso do tal mercado, que não passa de um bando de jogadores oportunistas e prontos para saquear as riquezas do país em qualquer época, mas principalmente em tempos de crise.

A população brasileira, coitada, foi bombardeada durante anos num processo de lavagem cerebral estudado meticulosamente por especialistas em manipular massas e explorar as fraquezas, os vícios, os ódios e os preconceitos que o próprio sistema de manipulação cria diariamente nos seus programas e novelas e jornais, aspas, e que alimenta o ódio na classe média e parcelas dos mais pobres. Ódio contra os nordestinos, contra negros, contra o PT, contra Lula, contra Dilma, contra os sindicatos, contra os movimentos sociais, contra os pobres das periferias, transformados pela mídia em bandidos cujas garantias constitucionais são rasgadas diariamente. Enquanto os verdadeiros beneficiários dessa trama são blindados e protegidos de qualquer ataque.

Somos um dos países mais ricos e mais desiguais socialmente falando. E o partido e sua liderança que ousou iniciar um processo lento e gradual de tentar mudar essa realidade foram transformados pela elite beneficiária dessa triste realidade num inimigo a ser massacrado, eliminado, desmoralizado publicamente. Como fizeram com Tiradentes, com Canudos, com os Malês, com os quilombos mais combativos do longo período colonial e com todas as lideranças populares comprometidas com o nosso povo. Derrubaram Jango, tentaram destruir a imagem de Brizola, de Getúlio, de Luis Carlos Prestes, de Carlos Marighella, de Marielle, de Dilma e de Lula, entre outros e outras, por mais diferentes tenham sido os ideais e as práticas desses personagens da história do povo brasileiro. Em comum, todos eles e elas foram perseguidos, executados ou derrubados por contrariarem os interesses dessa elite canalha e egoísta.

O caso Lula é exemplar, porque se trata de uma grande – a maior nos tempos atuais – liderança popular que governou o Brasil conciliando interesses, sem incentivar ódio de classe, sem sequer querer mexer nas estruturas de poder que mantêm nosso povo escravizado. E talvez por isso mesmo tenha sido vítima desse sistema. Lutou e conquistou parcela do poder conseguindo com isso importantes direitos e conquistas para o nosso povo mais pobre. Tirou 40 milhões de pessoas da miséria e da fome, mas não atacou de frente o poder das elites, a Rede Globo, os lucros dos bancos, a intocabilidade de um judiciário cretino e corrupto, entre outras estruturas viciadas e que privilegiam sempre os mesmos e seus grupos.

Nem assim o grande líder popular foi poupado por essa elite cínica, que não transige no momento de massacrar aqueles que contrariam minimamente os seus interesses. E conquistar direitos para os mais pobres é tido por essa elite como uma forma de agredir seus interesses, seus feudos, seus espaços, o que ela considera patrimônio somente dela e de seus associados (seus patrões, na verdade) externos. Ela (esta elite) não se importa de ser submissa, vira-lata, totalmente servil aos grupos imperialistas, mas em relação ao povo brasileiro ela quer tratar no chicote. Por isso Lula, que é a maior liderança desse povo, de origem proletária, está preso, sem prova, sem crime, sem nada. Lula só não foi ainda esquartejado e salgado em praça pública porque a elite ainda tem medo da reação popular. Mas, na escalada fascista que varre o Brasil e o mundo não duvido que isso aconteça. Com ele e com todos nós que estamos do lado de cá da trincheira.

Por isso é preciso resistir, exigir a libertação de Lula e a possibilidade dele se candidatar a presidência da república. E intensificar o processo de reflexão coletiva, de diálogo e organização dos de baixo para enfrentar esses grupos nos mais variados terrenos.

Um abraço a todos e força na luta, até a nossa vitória final. Porque somos a maioria e carregamos o país nas nossas costas e temos o direito e o dever até de lutar por nossos interesses comuns. De uma vida mais digna para todos, com mais democracia, inclusive na repartição das riquezas produzidas por todos, com maior solidariedade, com mais garantias constitucionais individuais e coletivas e menos poder para esses grupos estatais e para-estatais que não foram eleitos por ninguém e hoje dão as cartas para servir aos poderosos internos e externos.


Justiça da Casa Grande não é justiça

Justiça da Casa Grande não é justiça

Gilvander Moreira[1]

A prisão do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, dia 7 de abril de 2018, é um acontecimento histórico diante do qual não há espaço para omissão ou pretensa neutralidade. Quem não se posicionar será arguido pela história como cúmplice. Mesmo sendo crítico da política de conciliação de classes, da inclusão pelo consumo, da manutenção da política econômica concentradora de riqueza e renda, sem fazer as reformas de base e de outras contradições que Lula, o PT e Dilma praticaram ao longo de 13 anos no governo federal (2013 a 2016), uno-me a todas as pessoas que têm senso de justiça para discordar da condenação e da prisão de Lula, sobretudo da prisão em segunda instância, antes do trânsito em julgado, o que ameaça a presunção de inocência e o direito à ampla defesa de toda pessoa.

Caso a barbárie que é o capitalismo não provoque um apocalipse final para a humanidade e para grande parte de todas as espécies vivas, ao estudar história, as futuras gerações perguntarão a nós, seus pais ou avós: “O que estava acontecendo no Brasil quando o ex-presidente Lula foi preso?” Se não tiverem sido cúmplices, os pais e avós terão que dizer aos filhos/as e netas/os que o contexto socio-econômico-político-cultural e religioso no qual se deu a prisão de Lula era de um país tremendamente desigual e há 518 anos reproduzindo relações sociais escravocratas do tipo Casa Grande versus senzala, dirão que se tratava da continuidade da colonização, agora sob a hipócrita argumentação  de Estado Democrático de Direito.

Dirão que em 2018, no Brasil, quem estava sendo preso e injustiçado não era apenas o Lula, pois o Brasil era uma sociedade capitalista não apenas exploradora da dignidade humana, mas superexploradora da dignidade humana e, pior, devastadora de todas as fontes de vida: envenenadora da mãe terra pelo uso indiscriminado de agrotóxico na agricultura empresarial, a do agronogócio; dizimadora das nascentes de água, dos córregos, rios e lençóis freáticos; devastadora de todos os biomas, que estão sendo tratorados para invadir os territórios das comunidades originárias e tradicionais – indígenas, quilombolas e camponeses dos mais diversos matizes. O capitalismo e os capitalistas, no Brasil – país que deveria ser do povo brasileiro -, reproduzindo uma das maiores concentrações fundiárias do mundo e, pior, crescente. Uma política econômica inviabilizando a realização de uma reforma agrária popular e deixando “a ver navios” 14 milhões de desempregados, com trabalho intermitente análogo à situação de escravidão. Sem controle do tráfico de drogas, mais de 70 mil jovens sendo assassinados anualmente (700 mil em 10 anos). Após o impeachment da presidenta Dilma, consumado em 31 de agosto de 2016, aconteceu sucessivamente um desmonte de direitos sociais das classes trabalhadora e camponesas, direitos conquistados à custa de muita organização e luta popular. Os direitos trabalhistas foram aniquilados por meio da chamada reforma trabalhista, que, na prática, foi aniquilamento da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT). Cerca de 50% do orçamento do governo sendo sequestrado para reproduzir e ampliar uma dívida pública que apenas em 2017 cresceu 14,3%, ultrapassando 3,5 trilhões de reais e podendo chegar a 100% do PIB em 2022, dívida que já devia, segundo a Constituição de 1988, ter sido auditada e demonstrada como “as veias abertas do Brasil”. Direito à saúde e à educação indo para os ares por meio do congelamento – melhor dizendo, amputação gradativa - de investimentos governamentais nas áreas sociais por 20 anos. A maioria do poder judiciário nitidamente demonstrando disparidade de tratamento ao lidar com crimes de empresários e políticos, os que sustentam o status quo das desigualdades sociais, muitos sendo abonados pelo braço jurídico do Estado.

Pesquisas científicas nos informam que o agronegócio está fazendo mais de 600 mil pessoas contraírem câncer a cada ano. Encarceramento de massas, em presídios superlotados: mais de 700 mil presos quase todos empobrecidos, negros e de periferia, entre os quais 40% são presos preventivamente, sem terem sido julgados ainda. Vários ministros do Governo Federal golpista, mais de 200 deputados federais e dezenas de senadores arrolados em crimes de corrupção sendo livrados das barras da justiça por meio de foro privilegiado, algo nojento que coloca mais de 30 mil pessoas inatingíveis pela justiça.

Ah! Os pais e avós não poderão esquecer que no Brasil, em 2018, o povo brasileiro – 206 milhões de pessoas – estava anestesiado pela imprensa midiática, grande latifúndio de poucas famílias oligárquicas. Essa mídia com imenso poder econômico e tecnológico disseminava a mentira, a criminalização dos movimentos populares e de quem aguerridamente defendia os direitos humanos. A ideologia dominante imperava sempre invertendo as relações sociais: afirmando os oprimidos como opressores e apresentando os opressores como se fossem oprimidos. Enfim, em uma sociedade capitalista com classes antagônicas, com uma elite controlando o Estado – poderes executivo, legislativo, judiciário – as terras, o capital financeiro e a mídia. Caso não tenham sido mortos antes do tempo, os pais e avós das próximas gerações deverão ainda dizer, por fidelidade à verdade, que vários políticos profissionais sobre os quais existem fartas provas de crimes – malas de dinheiro, áudios comprometedores etc. – continuam intocáveis e protegidos pelo poder judiciário. Uns, embora com provas contundentes,  não foram  punidos e nada recaíram sobre eles, mas  outros, condenados  sem provas. Nesse meio, muitas decisões judiciais foram tomadas para fortalecer o status quo capitalista, tal como o impeachment de Dilma Rousseff, sem prova de crime de responsabilidade. O congresso brasileiro destituiu Dilma como se no Brasil houvesse parlamentarismo por voto de desconfiança. Era apenas o começo de um golpe que se desdobrou na prisão de Lula e que seguirá até a classe trabalhadora e camponesa se rebelar massivamente.

Nesse contexto, para seguir fortalecendo o poderio da Casa Grande sobre as novas senzalas, tornou-se necessário, segundo a elite que comanda o Estado brasileiro, condenar sem prova e prender Lula. Cumpria-se, assim, justiça dos doutores da lei e de certos tipos de fariseus. Porém, o Evangelho de Mateus alerta: “Se a justiça de vocês não superar a justiça dos doutores da lei e dos fariseus, vocês não entrarão no reino dos céus” (Mateus 5, 20). Dom Angélico Sândalo, ao lado do Lula, poucas horas antes de ele se entregar para ser preso, pôs o dedo em uma das feridas: “No Brasil, a maior parte da imprensa está a serviço dos poderosos. Os pobres clamam por direitos e por respeito”.

Entretanto, a história demonstra que os vencedores não terão a última palavra e serão varridos da história. Segundo o livro de I Reis 21, na Bíblia, o rei Acab e a primeira dama Jezabel, em meados do século IX antes da era cristã, para roubar as pequenas propriedades dos camponeses da época, tal como Nabot, tiveram que difamar, criminalizar, mentir e engendrar falso julgamento e até matar camponeses, como Nabot, um pequeno agricultor. Mas surgiu, possuído pela ira santa, o profeta Elias para desmascarar a violência que tinha sido cometida. Os que mandaram prender e assassinar Jesus de Nazaré comemoraram, mas, após três dias, a partir de uma mulher, Maria Madalena, que muito amava Jesus, irradiou-se por todo o mundo a mensagem de ressurreição do projeto de fraternidade, justiça e paz para todos e, e entre todos e  tudo. Não podemos nos curvar diante da injustiça. Assim como há o direito de legítima defesa, também há o direito fundamental e o dever à desobediência civil até que triunfe a construção de uma sociedade justa, solidária, sem preconceitos, amorosa e sustentável ecologicamente. No momento, predominam os violentos, mas eles passarão, pois das trevas da injustiça está sendo gestada uma nova aurora, sob a inspiração de Marielle Franco, Margarida Alves, Irmã Dorothy, Chico Mendes e milhares de outros/as lutadores/ras do povo. Enfim, justiça da Casa Grande não é justiça, pois para ser justiça precisa ser a partir da ética e da alteridade muitas vezes violentada. Preparemos um futuro justo, pois as próximas gerações têm direito.

Belo Horizonte, 10/4/2018.

Abraço terno na luta.

Frei Gilvander Luís Moreira
gilvanderlm@gmail.com
www.freigilvander.blogspot.com.br
www.gilvander.org.br
face: Gilvander Moreira III

segunda-feira, 19 de fevereiro de 2018

A intervenção militar no Rio

A intervenção militar no Rio

Está cheirando a Lava Jato 2, a versão militar. Primeiro usaram o judiciário com o pretexto de combater a corrupção na Petrobras somente nos governos do PT, com ampla campanha midiática. Todos assistiram em silêncio ao festival absurdo do golpe teleguiado pela CIA / NSA / FBI via Lava Jato e Globo, com a adesão local dos patos verde-amarelo da Fiesp.
Agora, com a proximidade das eleições de 2018, o crescimento da candidatura Lula e nenhuma alternativa confiável no campo da direita (nem eles confiam muito em Bolsonaro), ensaiam este novo capítulo do golpe. Com o exército nas ruas para combater a… “bandidagem”… dos morros, claro, já que a bandidagem (sem aspas) do alto continua solta, no governo federal, no congresso nacional, na justiça, no ministério público, no topo do empresariado. Com total blindagem pela mídia… e garantidos pelas forças armadas.
Mas, vai que cola, que o povo, bombardeado pelas imagens sensacionalistas e em recorte da mídia, esteja de fato, como está, assustado, temeroso com o estado de insegurança. Insegurança criada sobretudo pelas políticas neoliberais do golpe de 2016, mas, reduzida, ali, aos recortes midiáticos. Aí o governo de quadrilhas convoca as tropas militares para combater as quadrilhas menores, nos morros. A ausência de: saúde pública decente, educação pública de qualidade, segurança pública inteligente e políticas de geração de empregos foi ocasionada pelas quadrilhas que assaltaram o governo federal com o golpe de 2016, para garantir altos lucros aos banqueiros e às famílias da mídia golpista. Mas, isto não aparece como imagem de terror tais como são mostradas as imagens de arrastões e assaltos que atingem alguns cidadãos.
Tal como o combate à corrupção seletiva e partidária é apresentado como solução para os problemas do Brasil, e com isso justificando qualquer ato ilegal e imoral, como os praticados pelos canalhas da Lava Jato e da Globo, da mesma forma, o combate ao crime que supostamente tem origem nas favelas é apresentado como solução para todos os problemas do Rio de Janeiro. Um balão de ensaio. Se colar, se a população começar a sentir momentânea segurança, inclusive com o apoio da mídia que mostrará as tropas avançando e conquistando espaço e derrotando os “bandidos”, logo, logo teremos outros estados da federação querendo a mesma coisa.
Se o agente da CIA Moro, juiz de primeira instância e até então ilustre desconhecido, treinado nos EUA, que quebrou a economia do país e ajudou a derrubar uma presidenta honesta foi transformado em herói nacional pelos patos iludidos pela Globo, em breve teremos os generais X ou Y transformados em heróis. As eleições ocorrerão sob o controle militar, sem direito a grandes manifestações, e com a população, bombardeada por essa mídia criminosa, querendo de volta senão os militares, pelo menos um governo civil “forte”, que se identifique com essa visão simplista da repressão ostentação como tábua de salvação ilusória para problemas estruturais, ligados sobretudo à pior distribuição de renda do mundo; e cuja distância – entre ricos e pobres – tende a crescer ainda mais com as políticas neoliberais do governo do golpe de 2016 e de outro que vier a sucedê-lo seguindo a mesma régua.
A nós, os de baixo, vítimas eternas desses canalhas que trapaceiam e lançam mão de qualquer arma para nos massacrar, só nos resta mesmo resistir, rebelar, convocar o povão para não se iludir com essas soluções plantadas pela mídia golpista e aparatos estatais e para-estatais a serviço dos de cima. O golpe da intervenção veio depois da apoteose de uma escola de samba que, com a arte na mente e nas mãos e o samba nos pés, desmascarava o golpe nas suas variadas faces.
As mentes que estão por trás do golpe – e o vampiro Temer é só um instrumento que precisa cumprir ordens para não sair preso do Planalto -, as que pensam cada lance dessa jogada de vida e de morte, não quiseram dar tempo para que o povão refletisse sobre os significados do que foi apresentado pela Escola de Samba Paraíso do Tuiuti. Não foi somente a faixa presidencial que eles sequestraram. Foi a liberdade de pensar.
O foco, agora, é a intervenção militar para salvar a população do Rio do trombadinha da esquina, numa operação comandada pelos trombadinhas profissionais do alto, aqueles que estão entregando tudo, nas barbas das forças armadas e de um judiciário covarde e conivente. Entregaram o pré-sal, a Petrobras, as refinarias, as riquezas minerais, as fontes energéticas, tudo. Destruíram todas as conquistas sociais, trabalhistas e políticas do nosso povo. Falta apenas a reforma da previdência para completar a obra do mal. Destruíram o pouco que restava da democracia brasileira. Estão destruindo a América Latina. E nada disso sensibilizou os valentes generais das Forças Armadas, ou o STF ou o MPF.
Agora, paciência. Deixem que invadam o Rio de Janeiro. Que acabem logo as eleições diretas para presidente. Que prendam o Lula, a maior liderança operária e o melhor presidente da República que o Brasil teve, mesmo com as concessões feitas à direita. Se querem a política de terra arrasada, tudo bem. Vamos ver até onde eles vão levar o golpe. E até onde o nosso “pacato” povo vai aguentar esperar para reagir, resistir, descer o morro, colocar o bloco na rua, enfrentar e vencer os de cima, nos acordes de Jamelão / Tião Motorista e ao ritmo marighelliano de “quem samba fica, quem não samba vai embora”. Só que dessa vez vai ser diferente. Não serão apenas os valentes grupos e guetos ousados a desfilar pelas ruas, mas um povo inteiro, milhões, num reencontro encantado com as histórias de luta e de conquistas da nossa gente. Brava gente!

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Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

quarta-feira, 24 de janeiro de 2018

Operação Lava Jato: a maior farsa da história do Brasil

Escrevo essas linhas no momento em que o Brasil assiste, perplexo, anestesiado até, ao julgamento final do ex-presidente Lula. Uma verdadeira farsa e um capítulo quase final de um golpe de Estado armado por grupos estrangeiros e seus associados locais.

Durante três anos, a Globo e a Lava Jato conseguiram causar um estrago maior até do que se o Brasil tivesse sido vítima de ataques de mísseis do imperialismo. Nesse processo carregado de ódio e escorado numa campanha cínica e falso moralista de combate à corrupção, o Brasil assistiu praticamente sem reação aos seguintes acontecimentos nocivos ao nosso povo:

1) derrubada de uma presidenta honesta, eleita diretamente pelo povo brasileiro, demonstrando que a democracia brasileira foi destroçada em prol de interesses de minorias corruptas e canalhas;

2) no lugar da presidenta Dilma, mulher, valente e digna, colocaram no governo federal, sem o respaldo popular, uma quadrilha, homens brancos, de colarinho branco, dos piores bandidos que passaram a colocar em prática a agenda neoliberal, muito provavelmente com a promessa de serem poupados pela Lava Jato e com a garantia da governabilidade que não deram ao segundo governo Dilma;

3) dessa agenda neoliberal executada por um governo farsante e parlamentares pilantras resultou: a) a destruição da legislação trabalhista, com o cancelamento de conquistas de mais de um século de lutas; b) o ataque aos investimos na Saúde Pública e na Educação pública, com o limite de gastos nas políticas públicas; c) violento ataque aos aposentados e à previdência, com a tentativa de impedir com as pessoas se aposentem e invistam em previdência privada para poucos; d) cortes ou redução de dezenas de políticas públicas, como nos programas Bolsa Família, Minha Casa Minha Vida, Mais Médicos, Fies, Prouni, Ciências sem Fronteira, entre outros;

4) a Lava jato e a Globo, com sua campanha criminosa contra a Petrobras e setores estratégicos da economia brasileira, conseguiram ainda fazer com que especuladores estrangeiros arrancassem da Petrobras indenização de R$ 10 bilhões de reais, sendo que TODA a operação Lava Jato não chegou a devolver a Petrobras sequer R$ 1,5 bilhão do resultado do combate seletivo à corrupção apurada nos 12 anos de governos do PT. Sim, porque a Lava Jato só apurou a corrupção na Petrobras a partir dos governos do PT, e simplesmente afastou das investigações as inúmeras denúncias contra os governos anteriores, inclusive nas gestões de FHC. O que muita gente não percebeu é que a corrupção numa grande estatal é elemento comum em todos os governos, mas foi nos governos de Lula e Dilma que a Petrobras teve o seu melhor desempenho, seu maior crescimento, inclusive com a descoberta do pré-sal e investimentos em tecnologia de ponta.

5) além desse enorme prejuízo dado diretamente à Petrobras - devolveu teoricamente R$ 1, 5 bilhão e causou uma indenização / prejuízo direto de R$ 10 bilhões - , a Lava Jato, a Globo e afins conseguiram, com a derrubada do governo Dilma, abrir caminho para que os quadrilheiros do governo golpista entregassem o petróleo do pré-sal para empresas estrangeiras, afastando do controle da Petrobras e do povo brasileiro esse patrimônio nacional que foi a descoberta de enorme reserva de petróleo do pré-sal;

6) não bastasse essa perda internacional em prejuízo de uma política que deveria estar voltada para a Educação pública de qualidade e saúde pública para todos, as ações da Lava Jato amparadas pelo sistema de comunicação / manipulação da Globo e afins - Band, Itatiaia, Folha de SP, Veja, etc. - conseguiram ainda destruir a indústria naval, que havia sido salva e revitalizada nos governos do PT, a indústria da construção civil, em franco crescimento nas gestões de Lula e Dilma, e até mesmo da segurança estratégica, com a paralisação de investimentos em refinaria própria e na tecnologia nuclear.

O Brasil tornou-se uma republiqueta de nona categoria. O aumento do desemprego foi uma das consequências diretas do desinvestimento, dos cortes em todas as áreas e da destruição dos setores estratégicos da economia, que puxavam os outros setores.

Tudo isso foi consequência desse pacote fechado pelo golpe que teve como atores ou executores principais a Globo e Operação Lava Jato. Tal o alcance dessa operação, orquestrada e blindada pela mídia e pelos órgãos de justiça e do MPF e da PF, que sobram desconfianças acerca das perigosas ligações dos seus membros, alguns pelo menos, com os aparelhos de inteligência dos EUA.

Tem sido notória, de amplo conhecimento público, a intervenção direta dos EUA e países aliados através da CIA, NSA e outros aparelhos do sistema de inteligência e espionagem e sabotagem, que agem em vários países do mundo, com o intuito de derrubar governos "não amigos" do império, propiciando o controle das riquezas desses países. O Oriente Médio foi devastado por essas práticas. O continente africano já havia sido destruído bem antes pelas disputas imperialistas. A América Latina foi vítima de golpes de estado inicialmente nos moldes tradicionais, com as quarteladas militares que garantiam a propriedade e os lucros de poucos, garantidos com a repressão e a tortura no lombo da maioria pobre da população.

No Brasil conseguiram sofisticar o golpe de Estado, dessa vez não mais pelas mãos de grupos militares afastados oficialmente da vida política após o desgaste do Golpe de 1964, que derrubou, com apoio das mesmas forças que agora derrubaram Dilma, ao presidente João Goulart. O golpe de 2016 foi orquestrado de fora, como antes, mas lançaram mão de grupos do judiciário, da polícia federal e do Ministério Público. Ou seja, apropriaram de setores estratégicos desses aparelhos institucionais, para dar uma roupagem "legal" ao golpe. E montaram uma verdadeira máquina golpista, com todos os instrumentos institucionais envolvidos.

Em primeiro lugar era preciso garantir que a população pobre e a classe média fossem lobotomizadas, anestesiadas, e sobretudo, caso de parte da classe média, conquistada para o golpe. Essa horda neofascista que hoje aparece nas rede sociais nasceu desse processo de lavagem cerebral feita por uma mídia irresponsável e canalha, que durante 24 horas por dia e por meses a fio trabalhou narrativas golpistas. 

Os pontos centrais dessa narrativa fascista e ultraconservadora: a) a frase oca de que "bandido bom é bandido morto", quando se sabe que os "bandidos" que eles combatem são os pobres negros das periferias do Brasil. Aqui em Minas mesmo, os deputados eleitos com esse discurso se aliaram no congresso nacional aos maiores bandidos de colarinho branco, inclusive ao chefe deles, Eduardo Cunha, que hoje é protegido do juiz Moro e da mídia; b) outra narrativa construída: a de que o PT e Dilma e Lula eram responsáveis por todas as desgraças do mundo. O ataque ao segundo governo Dilma foi uma coisa impressionante. Qualquer lojista assalariado era induzido a dizer que "a culpa da crise é da Dilma", numa campanha claramente orquestrada por setores privilegiados. Quando a quadrilha de bandidos assumiu o governo com o golpe de 2016, cessaram as manifestações na Paulista, bem como a bateção de panelas nos condomínios fechados e prédios da classe média massa de manobras dos 2% mais ricos do país.

Depois que Temer e sua quadrilha chegaram ao governo via golpe de estado judicial-parlamentar-policial, as operações midiáticas fantasiosas da Lava Jato praticamente cessaram. A Lava Jato já havia cumprido quase todas as missões propostas: destruir os setores estratégicos do país, chantagear os parlamentares corruptos para que derrubassem a presidenta Dilma e aprovassem o programa neoliberal de entrega de tudo para os banqueiros e agiotas e grupos estrangeiros;  condenar e prender somente pessoas que pudessem atingir de alguma forma ao PT e a Lula; blindar totalmente o PSDB - em três anos de ação com total liberdade de espezinhar a constituição e a garantia de blindagem da mídia e de um STF acovardado, a Lava Jato não condenou nem prendeu um único cacique tucano. Enquanto isso, condenou e prendeu somente o tesoureiro do PT, condenou e prendeu somente o marqueteiro do PT, condenou e prendeu as lideranças do PT, como José Dirceu, que já havia sido vítima da farsa do Mensalão.

Faltava, contudo, o ato final, que é justamente o que acontece agora, com a condenação do ex-presidente. Com a clara manifestação da população brasileira em querer eleger novamente o presidente Lula, não seria tolerável para os golpistas que Lula pudesse se candidatar. Uma forte corrente poderia se formar em torno da maior liderança operária e popular do Brasil e da América Latina e com isso todos os atos do golpe estariam ameaçados. Daí montaram todo um esquema voltado para denunciar, condenar e prender o presidente Lula.

O objetivo principal nem é prisão física de Lula, mas a tentativa de desmoralizá-lo perante a opinião pública. Tal objetivo tem sido em parte derrotado como demonstra a lenta mas progressiva capacidade de resistência e de retomada das lutas do nosso povo. Nas redes sociais, em que pese a presença de fascistas que querem a volta da ditadura militar e tratam o agente da CIA Moro como herói nacional, é crescente o combate de pessoas e grupos de esquerda ou progressistas ou mesmo nacionalistas, que não aceitam mais esse engodo montado pela Globo e pela Lava Jato.

Nesse momento ninguém está seguro em relação aos destinos do Brasil, do nosso povo, uma vez que a guerra de classes está esquentando cada vez mais. A derrota no judiciário no circo montado em Porto Alegre praticamente foi uma "vitória de Pirro" da direita golpista. Isto porque as manifestações populares em favor da democracia e do presidente Lula conseguiram sensibilizar amplos setores da população e também de grupos progressistas do mundo inteiro. A justiça é cada vez mais identificada como parte do golpe. E há uma forte percepção de que é preciso construir uma unidade popular e progressista para derrotar os golpistas. 

E para que isso aconteça é preciso ficar bem claro para todos o verdadeiro sentido dessa farsa - a maior da história do Brasil - montada pela Globo e pela chamada Operação Lava Jato. É preciso discutir pacientemente com todos os grupos e pessoas da sociedade brasileira, sobretudo com a população de baixa renda e da classe média que não estejam irremediavelmente lobotomizados. Refletir sobre as consequências danosas para o Brasil e para o nosso povo dessa campanha falso moralista de combate seletivo à corrupção, historicamente usado pelos grupos de direita que são os mais corruptos e golpistas. Ninguém nunca investigou, por exemplo a origem e o processo de acúmulo de muitos bilhões de dólares da família Marinho, que praticamente teve papel central nos golpes contra o nosso povo nas últimas três ou quatro décadas, pelo menos. Ajudaram a bombardear moralmente Getúlio, JK, Jango, Brizola, Dilma e Lula, ou seja, todos os presidentes (Brizola não foi presidente, mas pode ser colocado nesse mesmo grupo) mais queridos e populares da história recente do Brasil, os que mais desenvolveram políticas públicas em favor dos de baixo. A Globo é inimiga do povo brasileiro e consegue arrastar para sua política de classe toda a grande mídia. Cerca de 8 ou 10 famílias de barões da mídia, que controlam o que deve ou não ser publicado, o que deve ser escondido do nosso povo e o que deve ser informado, de forma manipulatória.

Uma nota final, mas não menos importante, acerca das consequências da Lava Jato: a destruição das garantias constitucionais. Qualquer cidadão está hoje ameaçado de ter seus telefones grampeados, de ser arrastado numa busca coercitiva ilegal, de ficar preso eternamente numa chamada prisão preventiva, ou de ser vítima de uma delação premiada, outro nome para dedo-duro, que faz com que os verdadeiros canalhas entreguem sem prova alguma aqueles que o braço partidário do estado pretende condenar.

Imaginem a mesma técnica sendo usada contra os agentes da Lava Jato e contra a Globo? Um presidente com o apoio popular monta uma força-tarefa com poderes especiais que começa a prender pessoas próximas do juiz Moro (Zucolato, por exemplo), e da família Marinho (os cartolas FIFA, por exemplo), que, presos e com seus familiares ameaçados, começam a entregar os amigos, a dizer que Moro recebeu boladas de dinheiro para fazer o que está fazendo, que a família Marinho recebeu a promessa de não precisar mais pagar as dívidas com o BNDES, etc. Provas? Para quê provas, se houve essas delações premiadas? Não bastam as convicções da força-tarefa? Que tal então confiscar todos os bens dos Marinho e da família Moro? Pois é... Pau que dá em Chico, dizem, pode dar também em Francisco.

Daqui de casa, ou do meu modesto bunker, assisto às manifestações em Porto Alegre, em SP, na Paulista, agora coberta de vermelho e não mais daquele verde-amarelo que nada tem de nacionalista. Pode ser o renascer de um novo momento, um novo movimento de lutas, popular e de massas, nas ruas, de resistência e de construção de um presente e de um futuro que a Lava Jato e a Globo haviam roubado dos nossos sonhos. É hora de unir, de lutar, de resistir! E de conversar com as pessoas em todos os cantos do Brasil e do mundo. Porque somos a maioria e estamos ameaçados pelos interesses de uma minoria golpista que deseja transformar o Brasil novamente numa colônia, com mão de obra escrava e tudo mais. Se permitirmos é isso que farão.

Um forte abraço a todos e força na luta! Até a nossa vitória!

quarta-feira, 10 de janeiro de 2018

Natal: em noite escura, seguir por outro caminho.
Por frei Gilvander Moreira[1]

Imersos em uma noite muito escura do capitalismo e dos golpistas – Brasil sob seu 7º golpe, consumado dia 31 de agosto de 2016, golpe parlamentar, jurídico e midiático -, eis, nós, novamente, em tempo de Natal e de virada de ano. Necessário se faz resgatar o sentido bíblico do Natal. Na Bíblia, no Evangelho de Mateus, em Mt 2,1-12, está a narrativa da visita de magos a Jesus, logo após seu nascimento, passagem exclusiva das comunidades de Mateus. Para Mateus foram os magos – sacerdotes de culto da natureza - os que, por primeiro, reconheceram a encarnação do divino no humano. O Evangelho de Lucas, em vez de falar de magos, fala de pastores (Lc 2,1-20) como os primeiros que reconheceram e acolheram Jesus de Nazaré, logo após seu nascimento. Óbvio que os Evangelhos de Mateus e Lucas não são crônicas jornalísticas escritas sob o calor dos fatos. Escritos na década de 80 do século I da era cristã, os Evangelhos de Mateus e Lucas são Teologia da História a partir dos oprimidos e injustiçados e da sua fé na ressurreição de Jesus Cristo.
Quem são esses magos? O texto só diz que eles vêm do Oriente, de onde o dia nasce e a vida recomeça. Os magos são pessoas sábias, porque viram a estrela que indicava o nascimento do “rei dos judeus”. Os magos têm intenções contrárias às de Herodes, rei opressor e sanguinário, que “ficou alarmado e junto com ele toda a cidade de Jerusalém” (Mt 2,3). Mesmo consultando as Escrituras, Herodes, os sumos sacerdotes e os escribas não se dispõem a reconhecer o divino no humano que acaba de nascer. Acontece, então, uma oposição muito significativa: aqueles que detêm o poder político e econômico, o conhecimento acadêmico e o poder da religião oficial ignoram Jesus, enquanto pessoas de outras culturas e práticas, que inclusive seriam condenadas pela lei judaica, como a consulta aos astros, reconhecem o nascimento e vêm ao encontro daquele que iria testemunhar um caminho de libertação para todos e tudo: “vida e liberdade para todos e tudo” (Jo 10,10).
Os magos identificam a estrela que indica Deus se humanizando em/a partir de Jesus. É interessante que depois que os magos saem de Jerusalém, a estrela reaparece e os conduz até o lugar onde estava o menino. Curioso é que a estrela desaparece quando os magos chegam a Jerusalém, a capital, o centro político, econômico e religioso! Mas não adianta buscar esta estrela no céu. O texto faz uma ligação entre as atividades dos magos e a estrela que, segundo a tradição judaica, deveria indicar o surgimento do Messias. Assim, se lia naquela época o texto de Números 24,17: “um astro se levantará de Jacó e um homem surgirá de Israel”. E ainda o texto de Isaías 9,1: “O povo que andava nas trevas viu uma grande luz, uma luz raiou para os que habitavam uma terra sombria.” Depois de reconhecerem o divino naquele menino nascendo sem-terra e sem-teto e de lhe oferecerem presentes, os magos retornam “por outro caminho” a sua terra (Mt 2,12). Diz o texto que eles foram avisados “em sonho” para que não voltassem a falar com Herodes. A missão de Jesus é testemunhar um caminho de libertação para todos, inclusive os pagãos, representados pelos magos.
O evangelho de Mt 2,1-12 se constitui de duas partes: Mt 2,1-5 e Mt 2,7-12. O versículo 6 é o elo de ligação: “É de ti Belém, a menor entre todas as cidades, que virá o Salvador”. Em Mt 2,1-12 temos várias oposições/contradições: Herodes contra Jesus, Jerusalém contra Belém. Para os magos, estrangeiros do Oriente, Jesus é “rei dos judeus” (Mt 2,2). Os magos reconhecem o poder popular nascido na periferia de Belém. Etimologicamente Betlehem, em hebraico, significa Casa do Pão. Jesus se tornou o Pão da vida (Cf. João 6,22-59). Belém é a cidade do pastor Davi, o menor entre os irmãos, aquele que organizou os injustiçados da sociedade para lutar por um governo justo. O verdadeiro “rei dos judeus” não é violento e sanguinário como Herodes, é um recém-nascido, nascido sem-terra e sem-casa e tendo que se exilar às pressas para não ser assassinado pelo poder repressor de plantão. Segundo o Evangelho de João, o nascido na “Casa do Pão” se tornou Pão da Vida para todos. Os magos intuem com sabedoria que o poder alternativo, democrático, participativo e popular vem da periferia, dos injustiçados, dos pequenos. A estrela que guia os magos representa as intuições mais puras e os anseios mais profundos da humanidade sedenta de justiça, paz e fraternidade.
Os magos veem o “menino com Maria, sua mãe” (Mt 2,11). O gesto de reconhecimento é acompanhado da oferta do que há de melhor em seus países: ouro, incenso e mirra. Para as pessoas cristãs da época da Patrística – primeiros séculos da era cristã -, os presentes oferecidos simbolizam a realeza (ouro), a divindade (incenso) e a paixão de Jesus (mirra). Primeira atitude dos magos foi doar-se a serviço daquele que testemunharia um caminho libertador (=prostram-se) e, em seguida, põem à disposição de Jesus o melhor do que eles possuem, seus dons (Mt 2,11).
Mais importante do que discutir se os magos eram astrólogos ou se eram astrônomos, é perceber que eram estrangeiros – “os de fora”, de outras práticas -, sábios, perspicazes e muito sensíveis para captar a divindade de Deus se revelando na humanidade frágil de um menino nascendo sem-terra, sem-teto e ameaçado de ser assassinado logo nos primeiros dias do seu nascimento. Herodes, rei sanguinário e opressor, tremendo de medo de perder o seu poder, tentou cooptar os magos secretamente, tentou obter informações que ajudassem a liquidar a vida frágil. Herodes mentiu, fez propaganda enganosa, para tentar descobrir onde estavam as forças de subversão ao seu poder tirânico. Por fim, impôs uma medida provisória, uma espécie de Ato Institucional, mandando matar a crianças com menos de dois anos do país, enquanto, decretado pelo imperador Augusto, se realizava um novo recenseamento (Lc 2,1-2) para explorar mais ainda o povo já esfolado com pesada carga tributária. Mas as forças de vida – o divino no humano – foram mais espertas, fazendo os magos voltarem “por outro caminho” e assim driblarem a armadilha de Herodes. Os magos voltam por outro caminho, com sabedoria. Atualizando uma profecia, isto é, fazendo midrash, Mt 2,12 recorda o profeta anônimo de 1Rs 13,9-10: “Porque assim me ordenou o Senhor pela sua palavra, dizendo: Não comerás pão, nem beberás água e não voltarás pelo caminho por onde foste. E foi-se por outro caminho e não voltou pelo caminho por onde viera a Betel”.
Os magos romperam de uma vez por todas com Herodes, rei opressor, e com Jerusalém, cidade tratada como se fosse uma empresa. O sonho dos magos é a inspiração de que do poder opressor só nascem espinhos para a sociedade. Os magos souberam mudar suas perspectivas e sonhar um mundo novo que só pode nascer a partir do poder popular dos injustiçados que, ao se unir e se organizar, lutam pelos seus direitos. Experimentaram que um mundo justo é necessário e possível de ser construído, não a partir de democracia formal burguesa, de eleições, mas acima de tudo, a partir das classes trabalhadora e camponesa que, injustiçadas, podem e devem se rebelar em comunhão na luta por direitos fundamentais.
A festa da Epifania, dia 06 de janeiro, dia dos Santos Reis, nos ensina a olharmos o mundo atentamente, com benevolência, a sentir com o coração aberto e, com mãos solidárias, percebermos que Deus está fazendo brilhar sua beleza no meio dos pobres e dos superexplorados. Aliás, o que acontece não é propriamente uma Epifania (em grego, epifania significa manifestação de Deus sobre), mas uma Diafania (em grego, diafania significa o brilho de Deus que perpassa e permeia tudo, de dentro pra fora e de baixo pra cima).
Em uma perspectiva feminista, devemos perguntar: Já imaginou se os Magos fossem mulheres magas? O que teria acontecido? Elas não teriam pedido informações a Herodes, mas às crianças, prediletas de Jesus. Teriam chegado a tempo. Ajudariam no parto, cuidariam do menino, limpariam o estábulo, fariam o jantar. Além disso, teriam trazido presentes práticos e o mundo viveria em paz.
Mas ainda está em tempo de construirmos um mundo de justiça e paz para todos e tudo. Que nesse Natal de 2017 e na virada do ano, possamos revigorar em nós o desejo e o compromisso de viver e conviver de um jeito parecido com os magos do Oriente ou como os pastores de Belém (Lc 2,1-20). Que não sejamos cúmplices dos Herodes de plantão! Que sejamos corajosos/as e sigamos por outro caminho, transformador, libertador, em direção às causas dos pobres e oprimidos! Que tenhamos o discernimento necessário para romper com as estruturas do sistema político-sócio-econômico vigente – capitalismo superexplorador -, que manipula e engana o povo, alardeando uma pseudo democracia e fortalecendo as injustiças e a desigualdade social.  Sejamos como os magos e os pastores, despertadores de rebeliões coletivas, populares e massivas, contra todas as opressões que os ultracapitalistas insistem em empurrar goela abaixo do povo oprimido. Sigamos o caminho oposto ao dos “Herodes” de hoje, para que entre nós se construa com o protagonismo da classe trabalhadora e camponesa o “Reino de Deus e a sua justiça” (Mt 6,33).

Belo Horizonte, MG, Brasil, 26 de dezembro de 2017.

Vídeos para ilustrar o texto, acima:

Abraço terno na luta.
Frei Gilvander Luís Moreira
face: Gilvander Moreira III

Redução do salário mínimo, golpe em 100 milhões de pobres e idosos

Redução do salário mínimo, golpe em 100 milhões de pobres e idosos
Por frei Gilvander Moreira[1]

Dia 29 de dezembro de 2017, o presidente ilegítimo e golpista Temer, por decreto, reduziu o já injusto valor real do salário mínimo ao cortar 25,00 (vinte e cinco reais) de cada trabalhador/a, desempregado/a com direito a seguro desemprego ou aposentado/a. Em 2018, o salário mínimo será de apenas R$954,00 (Novecentos e cinquenta e quatro reais), aumentando formalmente apenas 1,81%, quase só a metade da inflação. Esse é o menor aumento nominal em 24 anos, desde 1994. Na realidade, é a maior redução do salário mínimo em 24 anos.
O que significa isso? Segundo o IBGE, em notícia de 29 de novembro de 2017, no Brasil, 44,5 milhões de trabalhadores/ras ganham menos de um salário mínimo. Pesquisa do IBGE mostra o retrato da desigualdade no país: os 10% mais ricos ficam com 43% de todos os ganhos. Em 2016, 44,5 milhões de brasileiros receberam, em média, R$ 747 por mês, menos que o salário mínimo. Enquanto isso, as 889 mil pessoas mais bem remuneradas do país receberam, em média, R$ 27 mil por mês. Aliás, não esqueçamos: desigualdade e lógica escravocrata são as colunas mestras da sociedade brasileira há 517 anos. Mudam-se os rótulos, mas a desigualdade sempre é reproduzida e ultimamente com maiores requintes de crueldade.
Façamos a conta. 44.500.000 X 25,00 = 1.112.500.000,00 (Hum bilhão, cento e doze milhões e quinhentos mil reais). Apenas dos 44,5 milhões de brasileiros que recebem no máximo salário mínimo, foi retirado 1,1 bilhão de reais por mês. Acresce-se a esse valor 66% dos aposentados que recebem salário mínimo e, também, os beneficiários de RMV (Renda Mensal Vitalícia), de seguro-desemprego e de abono salarial. Isso tudo somado resulta em 3,3 bilhões de reais que o Governo Federal deixará de repassar mensalmente para os mais pobres e idosos do nosso país em 2018. Ao longo dos 12 meses de 2018 serão 39,6 bilhões de reais retirados dos mais pobres e idosos.
Para cada pessoa R$25,00 a menos no salário mínimo por mês significam R$300,00 em 1 ano e R$3.000,00 em 10 anos. Para milhões de idosos que sobrevivem com apenas um salário mínimo, a quantia diminuída poderá se tornar endividamento, adoecimento e morte. Se fosse concedido os R$25,00 (vinte e cinco reais) de aumento no salário mínimo para 2018, aliviaria a cruz de milhões de famílias que sobrevivem com o salário mínimo. Cortar salário mínimo significa aumentar o peso da cruz nas costas de milhões de famílias empobrecidas.
O que foi cortado do salário mínimo daria para fazer o quê? Eis um exemplo: investindo R$28.000,00 na construção de cada casa, os 3,3 bilhões de reais dariam para construir mensalmente 120 mil casas rurais, que abrigariam 120.000 famílias, cerca de 500 mil pessoas. Eis o tamanho do roubo que o governo golpista de Temer está impondo ao povo brasileiro ao reduzir o valor real do salário mínimo. O que mais daria para fazer? ...
 Logo, cerca de 100 milhões de pessoas que dependem do salário mínimo próprio ou de seu arrimo de família devem pensar: o governo federal ilegítimo nos roubou 39,6 bilhões de reais no salário mínimo em 2018 e não apenas “me roubou 25,00”. Esse roubo se torna ainda mais cruel ao lembrarmos que enquanto o salário mínimo tem aumento nominal de 1,8%, o gás de cozinha teve aumento de 70% ao longo desse ano e a conta da energia foi reajustada em 42,5%.  Com esse quadro, já podemos perceber porque o Brasil pode voltar ao mapa da fome da ONU, como resultado desastroso da política econômica capitalista neoliberal que fomenta o lucro e privilegia os ricos. Precisamos ter consciência de classe e organizar rebeliões contra o corte permanente e cada vez mais agressivo de direitos.
O governo Temer retirou 39,6 bilhões de reais dos mais pobres e idosos para repassar para quem? Para o capital: banqueiros e empresas do agronegócio; ou para investir no aparato repressor do Estado. Ou seja, retirou de quem muito precisa – pobres e idosos - para dar para quem não precisa – os muito ricos: quem já vem acumulando muito no sistema do capital. Assim, o governo federal golpista continua fazendo opção pelos ricos contra os pobres. Eis mais uma injustiça que clama aos céus! Possuído pela ira divina, o profeta Zacarias bradou: “Não oprimam a viúva e o órfão, o estrangeiro e o pobre (Zacarias 7,10). O profeta Isaías também, de dedo em riste na cara dos governantes opressores, denuncia: “Ai daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraudar o direito dos pobres do meu povo, para fazer das viúvas a sua presa e despojar os órfãos” (Isaías 10,1-2).  Quem oprime o pobre está atraindo para si a ira da justiça divina.
Reduzir o salário mínimo é violência cruel. Não podemos esquecer que a maioria dos que recebem salário mínimo, como trabalhadores/ras assalariados/as ou já aposentados/as – é arrimo de família na maioria das vezes. Nas periferias das cidades e nas ocupações urbanas e camponesas, a regra é: idosos sustentando filhos e netos. E fazendo empréstimos bancários com desconto compulsório na aposentadoria, isso para construir casa nas ocupações, pagar tratamento de saúde, comprar alimento ou ...
As lutas das classes trabalhadora e camponesa inscreveram na Constituição Federal de 1988, no Art. 7º, o seguinte: “São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (... ) IV - salário mínimo , fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim”.
Óbvio que com o salário mínimo, reduzido no seu valor real, - que já era pequeno -, não será possível, em 2018, prover um/a trabalhador/a e sua família nos nove quesitos garantidos constitucionalmente: moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social. Segundo o DIEESE, o salário mínimo em novembro de 2017 deveria ser de R$ 3.731,39 (Três mil, setecentos e trinta e um reais e trinta e nove centavos). Reajustado abaixo da inflação, o novo salário mínimo é inconstitucional, além de injusto e ofensivo aos mais pobres do nosso país. A redução do valor real do salário mínimo viola também o Estatuto do Idoso, que no art. 34, parágrafo 1, acolheu o clamor do Movimento em Defesa dos Direitos dos Idosos: “Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, [...], é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas”.
Ao reduzir o valor real do salário mínimo, o governo federal está na prática iniciando o desmonte da previdência a partir dos mais oprimidos: milhões de brasileiros que ganham apenas um salário mínimo de aposentadoria. Com menor salário mínimo, o comércio local em todas as cidades brasileiras também será diminuído. Cadê o STF para zelar pela constitucionalidade do salário mínimo? Enfim, redução do valor real do salário mínimo faz parte da política de concentração de renda e riqueza na Casa Grande e busca empurrar a maioria do povo brasileiro para a senzala, em escravidão contemporânea.
Quem ganha salário mínimo, acorde antes que a corda arroche mais! Unamo-nos, classe trabalhadora e classe camponesa e vamos à luta. Trevas estão sendo disseminadas pelo capitalismo e pelos capitalistas, mas uma nova aurora está sendo gestada a partir dos injustiçados e dos movimentos populares. O sol da justiça e da paz brilhará na construção de uma sociedade justa e solidária, a partir dos injustiçados e oprimidos  lutando em comunhão por seus direitos.
Belo Horizonte, MG, 02/1/2018.
Obs.: O vídeo, abaixo, ilustra o texto, acima.

Abraço terno na luta.
Frei Gilvander Luís Moreira
face: Gilvander Moreira III

No Brasil, 310 milhões de hectares de terras devolutas para o agronegócio



No Brasil, 310 milhões de hectares de terras devolutas para o agronegócio
Frei Gilvander Moreira[1]

No Brasil, os que se dizem proprietários de terras mantêm, há séculos, o controle sobre as propriedades rurais e cobram valores injustos pelo uso da terra através de arrendamento, parceria, à meia, etc. “Relação de arrendamento: terra em troca de renda em trabalho (como é o caso do cambão no Nordeste), em espécie (como é o caso da parceria em todas as regiões do país) e em dinheiro (como é o caso particularmente do arrendamento de terras no sul e no sudeste)” (MARTINS, 1983, p. 36).
O art. 64 da Constituição Federal de 1891 transfere as terras devolutas para os Estados[2], exceto as estradas de ferro e as necessárias para a Segurança Nacional, praticamente o mesmo que estabelece o art. 20, II[3] e art. 26, IV[4]da Constituição Federal de 1988. Assim, “as terras devolutas são colocadas nas mãos das oligarquias regionais. Cada Estado desenvolverá sua política de concessão de terras, começando aí as transferências maciças de propriedades fundiárias para grandes fazendeiros e grandes empresas de colonização interessadas na especulação imobiliária” (MARTINS, 1983, p. 43).
Por meio do Censo Agropecuário de 2006, o IBGE detectou a presença de 310 milhões de hectares de terras devolutas no Brasil.[5] Entende-se por “terras devolutas aquelas que jamais tenham sido propriedade de alguém ou tenham tido uso público reconhecido, propriedade e uso pelo Estado” (MARÉS, 2003, p. 70), sendo, portanto, as terras legalmente não adquiridas. “Estas terras devolutas estão distribuídas por todo o país. A região Norte possui mais de 80 milhões de hectares de terras devolutas, das quais 40 milhões no estado do Amazonas e 31 milhões na Pará. A região Nordeste tem mais de 54 milhões de hectares de terras devolutas, sendo que a Bahia tem mais de 22 milhões de hectares e o Piauí mais de 9 milhões de hectares. A região Sudeste por sua vez, tem um total de mais de 16 milhões de hectares de terras devolutas e entre os estados com maior presença está Minas Gerais, com mais de 14 milhões de hectares. A região Sul tem, também, mais de 9 milhões de hectares de terras devolutas e o estado do Rio Grande do Sul tem mais de 6 milhões de hectares destas terras. A região Centro-Oeste concentra por sua vez, cerca de 12 milhões de hectares das terras devolutas e o estado de Mato Grosso sozinho tem mais de 9 milhões de hectares” (OLIVEIRA, 2010, p. 299).
Nas décadas de 1970 e 1980, em Minas Gerais, grandes extensões de terras devolutas[6] foram repassadas para grandes empresas em convênios firmados entre o Instituto de Terras do Governo de Minas Gerais (ITER) e aquelas empresas, que hoje as usam, quase exclusivamente, na monocultura de eucalipto. Muitos desses convênios estão vencidos.
Com uma população de 21.055.660 milhões de habitantes, em 2016, Minas Gerais, em 2015, tinha 30,9% do território mineiro usado para pecuária, com 23,9 milhões de cabeças de gado (Fonte: IBGE), sendo 11,5% do rebanho do País[7]. Minas Gerais, em 2006, tinha o segundo maior rebanho do Brasil com 19,9 milhões de cabeças (Fonte: Censo agropecuário 2006, p. 155). “Minas Gerais, em 2006, era maior produtor nacional de leite, com 27,9% da produção total, superior à soma da produção das Regiões Nordeste e Centro-Oeste” (Fonte: Censo agropecuário 2006, p. 158).
Atualmente, o capitalismo no campo possui novos contornos e para evitar a desapropriação de seus imóveis improdutivos, os grandes proprietários e empresas escondem-se sob a propaganda do agronegócio. Em Minas Gerais, o chamado agronegócio surge com a imposição de uma política agrícola que pregava a modernização da agricultura, modernização colonizadora e violentadora, para ser exato. O objetivo era permitir que grandes empresas estrangeiras introduzissem insumos químicos no mercado brasileiro, obtendo grandes lucros e tornando-nos dependentes de um ‘pacote’ tecnológico imposto. Assim, nasce a Japan International Cooperation Agency (JICA) com o Programa de Desenvolvimento do Cerrado (PRODECER) promovendo as atividades do complexo agroindustrial. O ecossistema dos cerrados foi substituído por extensas áreas de monoculturas do café, da cana-de-açúcar, da soja e dos maciços homogêneos do eucalipto.[8] Em 2006 já havia mais de 3 milhões de hectares de terra com monocultura de eucalipto; com soja, 22,2 milhões de hectares e outros 6,2 milhões de hectares com cana-de-açúcar; total: 31,4 milhões de hectares (= 314.000 Km2) com monoculturas de eucalipto, soja e cana-de-açúcar (NORONHA; ORTIZ; SCHLESINGER, 2006, p. 5).  Esse processo gerou exclusão social, destruição do meio ambiente e concentração de renda. “A expansão dos chamados complexos agroindustriais tem transformado o camponês em um trabalhador para o capital, sem torná-loum operário, o que amplia as interrogações sobre a natureza da sua vida política e econômica” (MOURA, 1988a, p. 8). A expansão desse modelo agrário/agrícola capitalista leva a que “mesmo com queda de preços dos alimentos, cresce a área plantada, aprofundando as contradições entre produção de alimentos e aumento da fome no mundo” (PORTO GONÇALVES, 2004, p. 217), aumentando a concentração fundiária. Grave também é que essa expansão do agronegócio ocorre no bioma dos cerrados, o que implica em devastação de ‘uma floresta invertida’. “Os Cerrados se caracterizam por ser “uma floresta invertida”, como insistia uma das maiores autoridades em conhecimento dos Cerrados, o agrônomo/geógrafo Carlos Eduardo Mazzetto Silva, pois para cada volume de biomassa sobre a superfície, os Cerrados têm até sete vezes mais biomassa abaixo do solo” (PORTO GONÇALVES, 2014, p. 92).
Esse dado multiplica por sete a gravidade da imensa devastação dos Cerrados que está em curso no Brasil, pois ao devastar os Cerrados da superfície do solo se devastam os sete Cerrados que estão no solo. Os cerrados compunham 36% do território brasileiro, mas a maior parte dos cerrados já foi devastada. Relatório de Monitoramento do Bioma Cerrado, de 2009, do Ministério do Meio Ambiente (MMA), demonstra que os remanescentes de vegetação dos Cerrados passaram de 55,73% em 2002 para 51,54% em 2008 e que o desmatamento total no bioma dos Cerrados até 2008 representa 47,84% da área original (MMA, 2010). “Entre o período de 1985 e 1993 a perda da área do Cerrado foi, em média 1,5% ao ano. A essa taxa de conversão, seria esperado que o Cerrado venha a perder aproximadamente 3 milhões de hectares ao ano, se considerarmos a área original de 2,045 milhões de quilômetros quadrados. Entre o período de 1993 e 2002, a taxa média de desmatamento do Cerrado foi um pouco menor, com uma média de 0,67% ao ano. Com esse valor, a perda anual do Cerrado seria de 1,36 milhões de hectares ao ano, também se considerando uma área original de 2,045 milhões de quilômetros quadrados. Um cenário futuro para o Cerrado, considerando uma retirada anual de 2,215 milhões de hectares (assumindo uma taxa conservativa de 1,1% ao ano), considerando a existência de 34,22% de áreas nativas remanescentes (baseado na estimativa dada por Mantovani e Pereira [1998]) e considerando que as unidades de conservação (que representam 2,2% do Cerrado) e as terras indígenas (que representam 2,3% do Cerrado) serão mantidas no futuro, seria de se esperar que o Cerrado desaparecesse no ano de 2030” (MACHADO, et al., 2004, p. 6-7).

Belo Horizonte, MG, 09/01/2018.

Obs.: O vídeo, abaixo, ilustra o texto, acima.

Na Chapada do Apodi/RN, 800 famílias resistem a um mega projeto de agro-hidronegócio. 07/12/2012

Abraço terno na luta.
Frei Gilvander Luís Moreira
face: Gilvander Moreira III






[1] Padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico de Roma, Itália;; assessor da CPT, CEBI, SAB e Ocupações Urbanas; prof. de “Movimentos Sociais Populares e Direitos Humanos” no IDH, em Belo Horizonte, MG. 
www.twitter.com/gilvanderluis        –     Facebook: Gilvander Moreira III

[2] In verbis: Art. 64 - Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais.
[3] In verbis: Art. 20. São bens da União: [...] II - as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei; [...]
[4] In verbis: Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados: [...] IV - as terras devolutas não compreendidas entre as da União.
[5] Terras que o IBGE denominou de “terras com outras ocupações”. Brasil: Área Total: 851.487.659 (100%); Área DEVOLUTA: 228.699.89 hectares (26,8%) (Fonte: INCRA 2014).

[6] Sobre “Que destino deve ter as terras devolutas?” sugerimos a leitura de PRESSBURGUER, Miguel. Terras devolutas. O que fazer com elas? Coleção socializando conhecimentos, n. 7. Rio de Janeiro: AJUP/FASE, 1990.
[7] Dados da Secretaria da Agricultura do Governo de Minas Gerais, disponível em http://www.agricultura.mg.gov.br/images/Arq_Relatorios/Pecuaria/2016/Dez/bovinocultura_leite_corte_dez_2016.pdf   , acesso em 18/12/2016 às 11h10.
[8] A Lei Federal nº 5106, de 02/9/1966, sancionada pelo general Castelo Branco, concedia incentivos fiscais a empresas e fazendeiros – abatimento de até 50% do Imposto de Renda para pessoas físicas e jurídicas - que  implementassem monocultura de eucalipto nos cerrados.